Mary Anne JunqueiraDepartamento de História-FFLCH/USP
CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em Cena. Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo. São Paulo, Fapesp/ Papirus, 1998.
Em
muitos países, particularmente nos períodos eleitorais, é notória a
utilização de propaganda política que, junto às pesquisas de opinião, se
sofisticam mais e mais com a finalidade de conquistar os "corações e
mentes" dos eleitores. Embora seja um tema que envolve riscos e
desafios, mais do que nunca a propaganda política precisa e deve ser
estudada, dada a extraordinária penetração dos meios de comunicação de
massa.
O fenômeno surgiu na primeira metade do século XX, quando o
rádio (por exemplo) instalado nas salas das casas fazia com que as
donas-de-casa tivessem companhia durante o dia e agregasse a família em
torno das notícias e programas variados durante a noite. Sabe-se que a
utilização maciça da propaganda política na América Latina, na primeira
metade do século XX, esteve vinculada aos regimes de Vargas, no Brasil, e
de Perón, na Argentina. É sobre esse período que a historiadora Maria
Helena Capelato se debruça para analisar a complexidade da propaganda
elaborada e divulgada pelo Estado Novo brasileiro (1937-1945) e pelo
peronismo (1945-1955).
A autora trabalha a partir de uma
abordagem da História política renovada. Investiga as encenações do
poder, as representações políticas e os imaginários sociais
(constituídos por imagens, mitos, símbolos e utopias). Para tal
empreitada, analisa um corpus documental variado (rádio, cinema,
jornais, revistas, discursos, cartilhas escolares, folhetos, obra de
ideólogos de ambos os regimes) englobando assim os meios de comunicação,
educação e produção cultural do período.
A autora lembra com
muita propriedade como o candidato Fernando Collor (1989), no Brasil, e
Carlos Menem (1988), na Argentina, utilizaram imagens e símbolos
presentes no varguismo e no peronismo, confirmando a permanência de
traços desses regimes autoritários ainda nos dias de hoje. Maria Helena
construiu assim uma análise sofisticada sobre um período decisivo da
História latino-americana e sobre um tema que envolve a difícil tarefa
de trabalhar com as subjetividades e as "marés instáveis" do coletivo.
Em
primeiro lugar, sustenta as semelhanças de um e outro regime: tanto
Vargas como Perón inspiraram-se na bem sucedida propaganda
nazi-fascista. A propaganda política articulada e capitaneada por
Goebbels foi alvo atento da atenção de Vargas. Perón também utilizou os
mesmos mecanismos a fim de controlar e dirigir as massas. Importante
notar, como ressalta a autora, o fato da propaganda nazista ter se
inspirado no sucesso da propaganda comercial norte-americana. Dessa
forma, idéias e tecnologias de comunicação circulavam no período com uma
velocidade inigualável até então. Conteúdo e forma das mensagens vieram
da Europa para o Brasil e para Argentina, mas – afirma a autora – foram
reproduzidas com um novo significado, adaptando-se às conjunturas
históricas e particularidades culturais do Brasil e da Argentina.
Existem
muitos estudos tanto sobre o varguismo quanto sobre o peronismo, mas a
originalidade do trabalho de Maria Helena está em elaborar uma análise
comparativa entre as propagandas políticas utilizadas por Vargas e
Perón, iluminando assim a compreensão dos dois regimes. Em primeiro
lugar, é necessário marcar os distintos momentos históricos em que foram
veiculadas as propagandas em um e outro país. No caso do Brasil, Vargas
consolida o seu poder no período entreguerras, quando do impacto da
Revolução Russa, das conseqüências da Primeira Guerra Mundial, da crise
econômica de 1929 e do questionamento do liberalismo. Já no caso da
Argentina, Perón só chega ao poder ao fim da Segunda Guerra Mundial com a
inquestionável vitória dos Aliados. Momento em que, com a derrocada do
nazi-fascismo, já se colocavam por terra as objeções às políticas
liberais. Dessa forma, quase uma década separa a entrada em cena de
Vargas (1937) e de Perón (1945). No entanto foi nesse período que tanto
um quanto o outro procuraram canalizar as massas em direção ao projeto
autoritário. E mais: Vargas alcançou o poder por meio de um golpe de
Estado e Perón tornou-se um dos presidentes mais populares da Argentina,
por meio de eleições. Segundo a autora, embora a propaganda política
argentina tenha sido organizada através das regras do sistema
democrático, a pretensão de conquistar as massas foi a mesma tanto no
varguismo quanto no peronismo.
Se é clara a semelhança entre
Vargas e Perón no que concerne à inspiração que tiveram na propaganda
nazi-facista, também existem analogias em como os dois presidentes
procuravam apresentar as sociedades: ambas eram tidas como homogêneas,
unidas e harmônicas, negando os conflitos e a pluralidade da vida
social. Tais representações exigiam uma ação decisiva contra qualquer
conflito ou manifestação da oposição, transformando a propaganda
política em um instrumento eficaz para aqueles regimes de caráter
autoritário. Assim, verificou-se no âmbito das duas sociedades um
controle exaustivo dos meios de comunicação com o objetivo de canalizar a
participação das massas na direção imposta pelos dois governos.
Mas,
como afirma a autora, se por um lado existem semelhanças, por outro,
são muitas as diferenças que marcaram os dois regimes. Varguismo e
Peronismo procuravam através dos símbolos definir aliados e inimigos,
muitas vezes utilizando-se de imagens religiosas. No entanto, enquanto o
comunismo foi o inimigo instaurado pelo governo Vargas, catalisando os
temores de desintegração da sociedade, no caso do Argentina, foi eleito
como inimiga do regime a oligarquia "vende-pátria" que se associava aos
interesses estrangeiros e o imperialismo (primeiro o inglês e depois o
norte-americano).
Getúlio Vargas como se sabe era considerado o
pai dos pobres, e a autoridade máxima que protegia um povo-criança,
inábil e incapaz de escolher os seus representantes. Perón era
igualmente considerado um pai, mas, carregava um qualificativo a mais,
era também visto como amigo e procurava uma proximidade maior com os
trabalhadores. Maria Helena afirma que Getúlio Vargas esteve voltado
para a construção do "trabalhismo brasileiro", mas nada se compara ao
que aconteceu na Argentina, quando houve de fato uma grande melhoria de
vida da população, especialmente porque naquele país os trabalhadores já
eram uma categoria consolidada. A justiça social foi o carro-chefe da
política peronista com vistas a direcionar os trabalhadores no rumo
imposto pelo regime.
No Brasil de Vargas a mesma questão foi
tratada de forma diferente: aqui se pretendia formar, moldar o
trabalhador produtivo. O objetivo principal do regime era reformar o
Estado e criar uma força de trabalho disciplinada a fim de empreender o
desenvolvimento do país. Dessa maneira, a justiça social foi um lema
muito mais do peronismo do que do varguismo. A autora conclui então que a
propaganda política foi utilizada de forma mais intensa e determinante
na Argentina, uma vez que Perón não se descuidava do apoio das massas
para se manter no poder. No caso de Vargas – instalado na cadeira
presidencial por meio de um golpe e com apoio dos setores dominantes e
das forças armadas – não houve a mesma necessidade da aprovação popular
maciça que existiu na Argentina.
Além disso, diferentemente de
Vargas, Perón contou com a atuação de sua mulher Eva Perón, peça-chave
na propaganda política e alicerce do regime autoritário argentino. A
atuação do casal, e em especial a ação de Eva, mostrava à população as
representações masculina e feminina do poder. Eram imagens que sugeriam o
homem como o "salvador", com a função de livrar a sociedade das forças
perniciosas e a mulher como "mártir e redentora" da Argentina. Assim
ficavam definidos o papel dominante do homem e a posição de satélite
legada à mulher. Eva Perón, como se sabe, se tornou mito, sendo
reverenciada por uns e detratada por outros, e ainda hoje é tema de
filmes, biografias e alvo de controvérsias naquele país.
Em ambos
os regimes, afirma a autora, houve a tentativa de calar as vozes
dissonantes. Mas as diferenças entre Brasil e Argentina foram
significativas. No Brasil, embora tenha havido oposição a Vargas –
especialmente no interior das universidades – existiu uma forte atuação
do regime em cooptar os intelectuais, abrindo espaço para as produções
artísticas, processo capitaneado pela figura polêmica de Gustavo
Capanema. Na Argentina, ainda que existissem escritores francamente
peronistas, a reação dos intelectuais foi muito mais radical contra o
regime. Basta lembrar a trajetória de Jorge Luis Borges, perseguido por
Perón, por suas críticas ao que os escritores chamavam de fascismo
local. Segundo Maria Helena, essas constatações permitem destacar as
diferenças entre as culturas políticas brasileira e Argentina. Embora no
Brasil existisse uma oposição significativa, as iniciativas procuraram
se organizar mantendo um consenso, enquanto na Argentina é indiscutível a
existência de uma sociedade muito mais polarizada.
Assim sendo, o
trabalho de Maria Helena Capelato – construído a partir de pesquisa em
fontes, profundo conhecimento da bibliografia sobre o período e
sustentado pela multiplicidade de temas que surgiram com a comparação – é
uma valiosa referência sobre a época. Além disso, a autora convida o
leitor a pensar não só sobre a propaganda política de ontem, mas também
na que se faz hoje. É bom salientar que, embora Vargas e Perón tenham
conseguido um apoio considerável das massas, isso não quer dizer que a
propaganda política dirige de forma determinante as vontades e as ações
da sociedade. Seria bom ouvir o que o próprio Perón constatou ao fim da
sua trajetória política. "Em 1955, tendo a totalidade dos meios de
comunicação à disposição fui derrotado; em 1945 e 1973, antes das
eleições, a imprensa toda se opôs a mim não impedindo a minha chegada à
Casa do Governo".
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