Maternidade VEJA
O parto normal em extinção no Brasil
Ministério da Saúde
prepara ação para reduzir em 10% os partos cirúrgicos e alerta: há uma
epidemia de cesarianas antecipadas sem necessidade no país
“O acompanhamento de um parto normal é complicado,
principalmente nas grandes cidades, onde a vida do médico é corrida e
ele tem vários empregos. Uma cesariana leva uma ou duas horas. Um parto
normal pode demorar mais de seis horas, e a remunieração feita pelos
planos de saúde é muito próxima. Isso passou a ser uma comodidade”,
admite Desiré Callegari, do Conselho Federal de Medicina
Desde fins do século XIX, quando a medicina conseguiu finalmente
difundir as técnicas de anestesia e os procedimentos para evitar
infecções, realizar os partos por meio de um procedimento cirúrgico é
uma opção ao alcance das mulheres em grande parte do planeta. Descoberta
quase por acidente, quando em 1500 um castrador de porcos suíço
conseguiu autorização para abrir a barriga da mulher, que reclamava de
fortes dores, as cesarianas progressivamente tornaram os partos mais
seguros e menos sofridos, principalmente quando há risco para gestantes e
bebês. No ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil
aparece em segunda colocação entre os países com mais cesarianas em
relação ao total de nascimentos. De 2000 a 2010, dos novos brasileiros
que vieram ao mundo, 43,8% foram partos por cesariana, deixando o país
atrás apenas do Chipre, que teve 50,9%.
O Ministério da Saúde passou a ver com preocupação esse índice, que
ultrapassa em muito os 15% considerados adequados pela OMS. A
concentração maior se dá na rede privada, que atualmente faz 80% dos
partos por cesariana. Na rede pública, os partos por cirurgia são 40%.
“Há uma epidemia de cesarianas no Brasil”, afirma Dário Pasche, diretor
do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES), do
Ministério da Saúde. Para ele, há um misto de comodismo e questões de
mercado por parte dos médicos, que acabam evitando o parto normal.
Estados Unidos, França e Argentina tiveram, entre os anos de 2000 a
2010, taxas de 31,8%, 20,2% e 22,7% de cesarianas, respectivamente.
Nos próximos meses, o Ministério da Saúde vai lançar um conjunto de
ações para estimular os partos normais e evitar o que chama de
cesarianas desnecessárias ou antecipadas na rede pública e conveniada ao
SUS – aqueles hospitais particulares onde as internações são pagas pela
saúde pública. Uma resolução que aguarda a assinatura do ministro
Alexandre Padilha estabelece meta de redução de 10% em cada unidade da
rede pública. Outra medida nesse sentido é um edital de pesquisa
internacional, cuja criação está sendo auxiliada pela Fundação Bill e
Melinda Gates. O objetivo do estudo é encontrar caminhos para reduzir os
casos de partos cirúrgicos desnecessários – algo que passa tanto pelas
políticas de saúde pública quanto pela transformação da cultura entre as
gestantes.
“A cesariana salva vidas. É uma técnica que fez a humanidade prosperar.
Mas quando se abusa desse recurso, criamos um outro problema”, avalia
Pasche. O risco, como explica, não está na cesariana isoladamente, mas
no efeito que tem a opção em massa por esse tipo de parto. Com os
agendamentos, a tendência é de se encurtar a gravidez. E o índice de
nascimentos prematuros também é alto no Brasil, de 10%, quando o
aceitável internacionalmente é de 3%. “A quantidade de bebês que nasce
prematuramente no Brasil tem aumentado assustadoramente. Reduzir esse
número é um dos maiores desafios no campo da saúde da criança”, diz
Pasche.
Os primeiros dias de vida recebem, no momento, atenção especial do
ministério. Entre 2000 e 2010, o país derrubou a mortalidade infantil
(de idades entre 29 dias e 1 ano), indo de 26,6 para 16,2 casos por mil
nascidos vivos. Mas o Brasil não teve o mesmo êxito na redução da
mortalidade neonatal, que está diretamente ligada à proporção de
nascimentos prematuros e de cesarianas antecipadas.
Pela OMS são considerados prematuros bebês que nascem antes de 37
semanas completas – o natural são até 42. Passou a ser usual o
agendamento já a partir da 37ª semana - o que aproxima o parto da
prematuridade. Responsável pelo setor de medicina fetal do Instituto
Fernandes Figueira, ligado à Fiocruz e dedicado à saúde da mulher e da
criança, Paulo Nassar vê na antecipação dos partos um risco para a saúde
dos bebês. “A ultrassonografia tem margem de erro de uma semana. Uma
mãe que agende a cesariana para a 37ª semana pode, na verdade, estar
abreviando o nascimento para a 36ª”, alerta.
Nascer antes do tempo traz riscos principalmente para o sistema
respiratório. Os pulmões do bebê se formam quando ocorre o estouro da
bolsa, que representa o “sinal verde” do corpo para o nascimento.
“Quando a mulher entra em trabalho de parto, há uma série de substâncias
que amadurecem vários órgãos, principalmente o pulmão”, explica Nassar.
Incapazes de respirar sozinhos, os recém-nascidos são afastados de suas
mães e mantidos em UTIs neonatais. Por ano, cerca de 15 milhões de
crianças no mundo são prematuras. Ou seja, mais de um a cada 10 bebês
nasce antes da marca das 37 semanas – o que representa a principal causa
da morte de recém-nascidos. A estimativa é de que um milhão de
prematuros morram anualmente de complicações.
Mães e médicos – Dois fatores são decisivos para que
as cesarianas sejam cada vez mais a forma de nascer dos brasileiros. Um
deles vem das próprias gestantes. Uma pesquisa da Agência Nacional de
Saúde Suplementar feita nos consultórios médicos mostrou que 70% das
gestantes têm, inicialmente, vontade de dar à luz pelo parto normal. No
último trimestre, só 30% se mantêm com o propósito de esperar as
contrações e enfrentar o processo natural. “Alguma coisa acontece
durante o pré-natal e faz com que as mulheres mudem de ideia. Temos
observado também que, muitas vezes, essas indicações de cesariana são
feitas no primeiro trimestre de gravidez, quando a mulher não tem
nenhuma indicação para cesariana”, afirma Karla Coelho, gerente de
regulação assistencial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
“A comodidade do médico não é a única explicação. Muitas mulheres querem
tecnologia, querem chegar e ter o bebê sem ficar horas em trabalho de
parto. E, claro, também têm medo de sentir dor”, diz.
O segundo fator vem dos médicos. “O acompanhamento de um parto normal é
complicado, principalmente nas grandes cidades, onde a vida do médico é
corrida e ele tem vários empregos. Uma cesariana leva uma ou duas
horas. Um parto normal pode demorar mais de seis horas, e a remuneração
feita pelos planos de saúde é muito próxima. Isso passou a ser uma
comodidade”, admite Desiré Callegari, primeiro secretário do Conselho
Federal de Medicina (CFM).
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Em busca de um médico
Encontrar um médico disponível para realizar um parto normal, disposto a
ser tirado de casa a qualquer hora para acompanhar o procedimento, vem
se tornando algo mais difícil a cada ano. Moradora de São Paulo, Liliane
Meira, de 34 anos, descobriu que estava grávida pela segunda vez há
quatro anos. Percorreu dez médicos, recebeu dez respostas negativas.
Parte deles alegava que Liliane tinha feito uma cesariana cinco anos
antes da segunda gestação e, por isso, seria preciso usar o mesmo método
no próximo parto. Outros três médicos argumentaram que a cesárea era
mais segura e que trabalhavam exclusivamente com essa opção. “Falaram
das probabilidades da falta de oxigenação e da fragilidade do parto
normal”, relata Liliane, que já tinha passado por uma cesárea de gêmeos
complicada, com inflamação e abertura dos pontos. Pela internet, Liliane
encontrou uma equipe de médicos que fazia o que é chamado de parto
humanizado – uma maneira de dar à luz com a menor intervenção médica
possível, mas que leva em conta os recursos disponíveis em uma unidade
hospitalar. “No dia em que a bolsa estourou, fiquei 20 horas no hospital
em trabalho de parto para ter meu bebê da maneira mais natural
possível, sem anestesias e intervenções que acelerassem o processo de
contração”, conta Liliane. A experiência a empurrou para uma nova
carreira: a de doula – profissional encarregada de acalmar a gestante,
fazer massagens e orientar a respiração durante o trabalho de parto.