Tragédia em Santa Maria
Polícia indicia 16 pessoas por incêndio em Santa Maria
Inquérito concluído nesta
sexta-feira responsabiliza os sócios da boate Kiss, membros da banda
Gurizada Fandangueira, bombeiros e agentes públicos
Jean-Philip Struck
A Polícia Civil do Rio Grande do Sul indiciou criminalmente dezesseis pessoas pelo incêndio ocorrido em janeiro na
boate Kiss, na cidade de Santa Maria, que deixou
241 mortos. O inquérito que apura as causas e as responsabilidades pela tragédia foi concluído nesta sexta-feira.
Nove pessoas foram indiciadas por homicídio com dolo eventual (quando
se assume o risco), entre elas os dois sócios da casa noturna e dois
músicos - atualmente
presos -,
além de dois bombeiros responsáveis pela fiscalização da casa noturna.
Outras quatro, incluindo dois secretários municipais, foram indiciadas
por homicídio culposo (quando não há intenção de matar); dois bombeiros
responderão por fraude processual; e um ex-sócio da boate foi imputado
por falso testemunho.
Vídeo mostra início do incêndio na boate Kiss
No total, 28 pessoas foram apontadas no documento como responsáveis
pela tragédia, mas nem todas foram indiciadas. O prefeito de Santa
Maria, Cezar Schirmer (PMDB), e o comandante do Corpo de Bombeiros da
região, tenente-coronel Moisés Fuchs, também foram citados nas
investigações como responsáveis pelo incêndio. Segundo a polícia, há
indícios de crime de homicídio culposo na conduta dos dois, embora eles
não tenham sido indiciados.
O delegado Marcelo Arigony, titular da 3ª Delegacia de Polícia
Regional de Santa Maria, afirmou que enviará o inquérito ao Tribunal de
Justiça do estado para que seja avaliada a responsabilidade do prefeito,
já que ele tem direito à foro privilegiado. O caso do tenente-coronel
dos Bombeiros Moisés Fuchs será analisado pela Justiça Militar, assim
como o de outros oito bombeiros. No caso desses bombeiros, eles foram
responsabilizados por deixarem que pessoas comuns entrassem na boate
incendiada para ajudar no resgate. Nesse processo, cinco pessoas
morreram por asfixia.
Nove responsáveis, entre eles o prefeito, servidores e os secretários
municipais indiciados podem responder por improbidade administrativa.
Quanto aos dezesseis indiciados, cabe agora ao Ministério Público
analisar o inquérito e depois oferecer ou não a denúncia à Justiça.
Prefeito - Na noite desta sexta-feira, após a
divulgação de que dois secretários da prefeitura foram indiciados e de
que seu nome apareceu na relação de pessoas responsabilizadas pelo
incêndio, o prefeito Cezar Schirmer afirmou em um discurso que ficou com
surpreso com a inclusão. Bastante emocionado, ele chamou a conclusão do
inquérito de “absurdo” e de “aberração jurídica”. “O estado quer
imputar a nós, a prefeitura, uma responsabilidade que não temos”, disse
Schirmer.
Conclusões - O inquérito também confirma muitas das suspeitas levantadas logo no início da investigação, como a
superlotação
da casa noturna, o uso de espuma irregular no revestimento acústico do
palco, número de saídas insuficiente e um extintor instalado próximo ao
palco que não funcionou. Ao todo, mais de 800 pessoas foram ouvidas e
quase dois meses de investigação. O inquérito possui 13.000 páginas
divididas em 52 volumes.
Laudos anexados ao documento apontaram que 100% das 241 mortes
ocorridas na boate ou em hospitais para onde foram levados os feridos
ocorreram por
asfixia por cianeto e monóxido de carbono. O material foi liberado no interior da boate pela
espuma de poliuretano
instalada no forro do palco como material acústico. A espuma entrou em
combustão após ser atingida pelas faíscas de um sinalizador disparado
por Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Banda Gurizada
Fandangueira, que se apresentava no momento da tragédia. Além das
mortes, o gás tóxico e as chamas deixaram 623 feridos.
Lotação - De acordo com a polícia, as investigações
também concluíram que no mínimo 864 pessoas estavam na boate Kiss no
momento do incêndio, o que superava a capacidade de 691 pessoas
autorizada pelos bombeiros. Depoimentos de 108 pessoas também
confirmaram que um dos integrantes da banda tentou apagar as primeiras
chamas com um extintor que não funcinou. Outras 84 pessoas contaram que
os seguranças da boate Kiss impediram a saída das vítimas por alguns
segundos após o início do incêndio.
Segundo boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, nove vítimas do
incêndio continuam internadas em hospitais de Santa Maria e Porto
Alegre.
(
atualizado às 20h)