Vinde a mim os eleitores: a força da bancada evangélica no Congresso
A confusão envolvendo o
deputado-pastor Marco Feliciano expôs a atuação dos parlamentares
ligados a igrejas evangélicas. E eles vieram para ficar
Gabriel Castro e Marcela Mattos, de Brasília
Parlamentares evangélicos em momento de oração
(Saulo Cruz/Agência Câmara)
"O Senhor disse que aqueles que querem viver piedosamente serão
perseguidos. Estamos vivendo um ensaio daquilo que ainda virá com mais
intensidade contra os cristãos". Com o colarinho desabotoado, terno e
gravata escuros e camisa branca, o pastor Henrique Afonso (PV-AC) faz um
alerta às pessoas que acompanham sua pregação na manhã da última
quarta-feira. O local: o plenário número dois das comissões da Câmara
dos Deputados. O público: oito deputados federais e trinta servidores do
Congresso.
O culto ocorre semanalmente. Os parlamentares-pastores fazem um
rodízio. A cada semana, uma dupla divide a direção do serviço e a
pregação do dia. Na última quarta-feira, o sermão de Henrique Afonso
estava relacionado à tensão gerada pela eleição de
Marco Feliciano
(PSC-SP), pastor da Assembleia de Deus, para a presidência da Comissão
de Direitos Humanos. O deputado enfrenta resistência por afirmar que a
união de pessoas do mesmo sexo é condenável e dizer que os
africanos são vítimas de uma maldição
dos tempos bíblicos. O caso apontou os holofotes para a atuação da
bancada evangélica no parlamento. Em parte pelos próprios defeitos, em
parte pela incompreensão dos adversários políticos, esses parlamentares
têm ganhado espaço cada vez maior no debate político nacional. E os
sinais são de que eles vieram para ficar.
A presença de evangélicos na política – assim como a de católicos ou
espíritas – não é novidade. Partidos de inspiração cristã existem em
países como Suíça, Inglaterra e Holanda sem que isso signifique qualquer
ameaça à democracia. A mulher mais poderosa da Europa, a
primeira-ministra alemã, Angela Merkel, pertence à tradicional União
Democrata-Cristã de seu país. A mesma Alemanha tem como presidente o
independente Joachim Gauck, um conhecido pastor luterano. O maior
partido do Parlamento Europeu, o European People's Party, é composto
fundamentalmente por democratas-cristãos. Assim como os cultos na Câmara
dos Deputados, a realização de eventos religiosos no Congresso dos
Estados Unidos é comum desde a época de Thomas Jefferson. O movimento
abolicionista surgiu na Inglaterra, organizado por um grupo de doze
protestantes. A campanha dos direitos civis nos Estados Unidos teve como
líder o pastor batista Martin Luther King.
Frente Parlamentar Católica?
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Ao contrário dos
evangélicos, os parlamentares católicos não compõem uma frente
parlamentar. Mas a bancada se organiza informalmente. Entre os deputados
que pertencem à Igreja, os mais ativos são os ligados ao movimento da
Renovação Carismática – um equivalente ao movimento pentecostal nas
igrejas protestantes. Apesar de não se organizarem em um grupo oficial,
os católicos são os criadores da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e
contra o Aborto, presidida pelo deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP). O
grupo, engrossado por evangélicos, conta com 220 deputados e doze
senadores.
Em Brasília, chama a atenção a atuação organizada desse grupo de
parlamentares que, apesar de pertencerem a partidos diferentes, se
articulam na defesa de suas bandeiras. E elas costumam ser mais contra
do que a favor: contra a legalização do aborto, o casamento gay, a
eutanásia e a liberação das drogas. A favor, basicamente, da ampla
liberdade religiosa. No total, os evangélicos representam 14,2% dos
deputados e 5% dos senadores.
A bancada evangélica também não foge à regra do Congresso Nacional
quando o assunto são denúncias de corrupção. Dos 73 integrantes na
Câmara, 23 respondem a processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Há
acusados de corrupção, peculato (desvio praticado por servidor público),
crime eleitoral, uso de documento falso, lavagem de dinheiro e
estelionato. Há até um condenado a prisão que pode ir para a cadeia em
breve:
Natan Donadon, que tem pena de treze anos e quatro meses a cumprir.
Outro ponto delicado é a legitimidade do uso de fiéis como plataforma
política. São muitos os indícios de que alguns deputados evangélicos
utilizam os seguidores como massa de manobra. Na última quarta-feira, em
meio à turbulência envolvendo a Comissão de Direitos Humanos, Anthony
Garotinho (PR-RJ) dava conselhos a Marco Feliciano no plenário da Câmara
e sugeria que o colega
renunciasse à presidência
do colegiado. Ex-governador do Rio, Garotinho foi direto: "O que você
tinha que capitalizar no meio evangélico, já capitalizou".
"Todos os partidos têm buscado, de uma maneira geral, ter evangélicos
nos seus quadros, porque é um segmento substantivo do eleitorado
brasileiro. Essas religiões estão crescendo, e é claro que há interesse
como massa eleitoral", diz o cientista político e professor da
Universidade de Brasília (UnB) João Paulo Peixoto. Ele também afirma que
os parlamentares evangélicos, se não são melhores do que a média, não
fogem à regra dos colegas de Congresso: "Os evangélicos não estão acima
do bem e do mal. Embora tenham uma pregação rígida dos valores morais,
há também um outro lado que diz respeito à própria condição humana",
afirma.
O deputado João Campos (PSDB-GO), pastor da Assembleia de Deus e
presidente da Frente Parlamentar Evangélica, reconhece que os desvios
éticos prejudicam a imagem dos parlamentares da frente: "Se tiver um
processo de corrupção, é claro que incomoda. A exposição negativa pode
prejudicar, mas acho que faz parte do processo".
Histórico – A Frente Parlamentar Evangélica foi criada
em 2003. Três anos depois, o Congresso foi atingido por um escândalo
que colocou os evangélicos em evidência da pior forma possível: a
Máfia das Sanguessugas,
que desviava emendas parlamentares e abastecia os bolsos de deputados e
empresários, envolveu 23 integrantes da bancada. Desses, dez eram da
Igreja Universal do Reino de Deus e nove pertenciam à Assembleia de
Deus. Talvez por isso, os deputados ligados a essas igrejas perderam
espaço nas eleições de 2006. A recuperação nas urnas ocorreu em 2010 com
a renovação dos quadros políticos. Hoje, representantes da Assembleia
de Deus – que tem diversas ramificações e não possui comando único, como
é o caso da Igreja Universal – são os mais numerosos.
Além dos deputados, quatro senadores compõem o time evangélico no
Congresso. A maioria desses 77 parlamentares pertence à base da
presidente Dilma Rousseff. Mas, como algumas bandeiras relacionadas ao
aborto e ao casamento de pessoas do mesmo sexo não são prioridade na
pauta dos partidos de oposição, os evangélicos acabam ocupando uma
função dúbia: apoiam o governo em temas econômicos e de assistência
social, mas divergem abertamente quando o Executivo quer, por exemplo,
distribuir o "kit-gay" nas escolas primárias ou relaxar as penas para traficantes de drogas.
A parceria com um governo petista é especialmente contraditória porque o
partido tem como resolução oficial a legalização do aborto e a defesa
das bandeiras do movimento gay. O autor do sermão da última quarta-feira
no culto da Câmara sabe bem disso. Henrique Afonso, que é
presbiteriano, foi integrante do PT até 2009, quando acabou punido por
não abrir mão da oposição ao aborto. Luiz Bassuma, espírita, também
deixou a sigla e foi parar no mesmo PV.
"Nós tínhamos uma cláusula de consciência quando eu entrei no PT, e
isso me garantia a expressão da minha cosmovisão", explica Afonso. "A
partir do momento em que tiraram essa cláusula de consciência e passaram
a defender explicitamente a descriminalização do aborto e outras
matérias associadas à bioética, eu tive de ter um posicionamento
contrário."
Afonso e Bassuma entraram no PV porque, na época, a sigla tinha como
expoente a ex-senadora Marina Silva, também evangélica. Agora, ela
pretende formalizar o seu
novo partido,
a Rede, para disputar as eleições presidenciais de 2014. É pouco
provável que o projeto seja bem-sucedido. Mas, se funcionar, Marina será
a primeira representante das igrejas protestantes a chegar ao poder
máximo.
Leia também:Entrevista: "A união homossexual não é normal", diz FelicianoFeliciano afirma que africanos são acompanhados por maldição
Estado laico – Anthony Garotinho, um dos expoentes da
bancada, afirma que a laicidade - separação do poder político e
administrativo da religião - do estado é uma bandeira dos protestantes.
"O que não pode é misturar a sua fé com a laicidade do estado", diz. O
ex-governador do Rio de Janeiro é um curioso caso de político que mudou
de eleitores ao longo da carreira: até 1994, quando se converteu e
passou a integrar a Igreja Presbiteriana, ele se definia como marxista.
Embora possa parecer contraditória, a defesa da laicidade é uma bandeira
antiga dos deputados evangélicos. Antes de temas como a união de
pessoas do mesmo sexo ganharem espaço no Congresso, um dos principais
alvos dos protestantes eram a Igreja Católica, que eles viam como
privilegiada pelo poder público.
A presença dos evangélicos no Congresso é apenas o resultado de uma realidade demográfica: o rápido
crescimento das religiões evangélicas,
especialmente as pentecostais, deve resultar em uma consolidação da
presença de pastores protestantes no poder. A bancada evangélica, aliás,
permanecerá em evidência nos próximos dias. A pressão para que Marco
Feliciano deixe a presidência da Comissão de Direito Humanos continua
crescendo. Ele diz que
não abrirá mão do cargo.
Mas, se isso acontecer, os parlamentares de partidos de esquerda que
protestam contra o pastor não devem ficar muito animados: os deputados
evangélicos permanecerão sendo maioria na comissão. Sinal de novos
tempos no Congresso.
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Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
Cunha: influente no Congresso e enrolado na Justiça
Líder do PMDB, a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, o
deputado Eduardo Cunha (RJ) é conhecido por ser um bom articulador:
negocia cargos e liberação dos recursos de emendas dos parlamentares.
Cunha ajudou a levar o polêmico pastor Marco Feliciano (PSC-SP) à
presidência da Comissão de Direitos Humanos, ao ceder vagas de seu
partido ao PSC. A questão religiosa por vezes o sobressalta. O
deputado-pastor criticou a ministra de Política para as Mulheres,
Eleonora Menicucci, devido ao seu posicionamento favorável à legalização
do aborto e à união homossexual. “A nomeação da abortista sodoministra
foi um desastre para a imagem do governo. Lamentável mesmo”, disse, por
meio do Twitter. Atualmente, Cunha é réu de ação penal do STF por
falsificação de documentos. Além disso, é investigado por sonegação de
impostos.