quarta-feira, 27 de março de 2013

Perda de habitat deve acelerar extinção na Amazônia

Ambiente     VEJA

Perda de habitat deve acelerar extinção na Amazônia

Estudo publicado na revista 'Science' localiza regiões em que espécies de mamíferos, aves e anfíbios estão fadadas à extinção nas próximas décadas

Marco Túlio Pires e Elida Oliveira
O desmatamento na região amazônica e a falta de chuvas poderá transformar, permanentemente, parte da floresta em savana
Impacto do desmatamento da Amazônia não é sentido imediatamente, mas representa ameaça para o futuro dos animais vertebrados da região (iStockphoto)
O desmatamento é uma bomba-relógio para o futuro dos animais vertebrados da Amazônia, de acordo com uma pesquisa publicada nesta quinta-feira na revista Science. Pesquisadores da Universidade Rockfeller, nos Estados Unidos, e do Imperial College London, da Inglaterra, criaram um método que prevê o impacto da perda de habitat para espécies de mamíferos, anfíbios e aves.
O grupo de pesquisadores liderado por Oliver Wearn dividiu a Amazônia em áreas de 50 x 50 quilômetros quadrados e estudaram o impacto do desmatamento em cada local, com dados de 1978 a 2008, sobre 204 mamíferos, 332 aves e 214 anfíbios. Como resultado, os cientistas conseguiram apontar quantos animais podem desaparecer em cada área, conforme o avanço do desmatamento.
Quando uma espécie desaparece de uma localidade, ela ainda pode se refugiar em outro local, mas a biodiversidade já estará comprometida. Caso a espécie tenha somente aquela região por área de vida, sua extinção já pode ser esperada. Isso cria o que os pesquisadores chamam de "débito de extinção". Essa "dívida" ocorre quando as espécies de plantas e animais perdem seu hábitat, mas não desaparecem. A extinção da espécie às vezes leva várias gerações, mesmo após a perda de seu ambiente natural.
Espécies perdidas Amazônia
A estimativa dos pesquisadores é de que cada região da Amazônia perca, em média, nove espécies de vertebrados e que outras 16 entrem na fila da extinção até 2050. O estado que mais acumula "débito de extinção" é Tocantins, com 28 espécies; seguido pelo Maranhão, com 20 espécies; Rondônia, com 16; e Mato Grosso, com 11 espécies.
Calote — "Ou tomamos uma medida para dar um calote nesse débito ou vamos perder espécies nessas localidades”, diz o ecólogo Thiago Rangel, professor e pesquisador da UFG (Universidade Federal de Goiás), revisor do artigo da Science (leia entrevista abaixo). O "calote" que ele propõe é ampliar medidas de preservação e recuperação de áreas degradadas para que a fauna e a flora se reestabeleçam.
Os pesquisadores britânicos concluem que os próximos anos oferecem uma janela de oportunidade. “É preciso concentrar esforços em áreas com o maior 'débito de extinção'. Isso poderia reduzir a dívida a ser paga", escreveram. "Assim seria possível ajudar as espécies que ainda persistem, antes que elas desapareçam para sempre."


Thiago Rangel, ecólogo, professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás
 

"Podemos reverter a extinção"

Thiago Rangel
ecólogo, professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás. Foi revisor do artigo publicado na Science e publicou, ao lado dos resultados da pesquisa britânica, um texto analítico sobre o tema no Brasil


O que esse estudo adiciona ao que já se sabe sobre o desmatamento da Amazônia? Os autores britânicos desenvolveram uma análise estatística inovadora, com base em dados preexistentes, para chegar ao número do 'débito de extinção', conceito que já existia há cerca de dez anos, mas que nunca havia sido calculado na região amazônica. O estudo não trata da extinção total e final de uma espécie, mas do desaparecimento dela em uma localidade. Se houver representantes da espécie em outro local, elas não serão extintas totalmente. Mas se ocorrem somente na Amazônia, será a extinção final.
O que é o débito de extinção? O débito de extinção é um conceito para medir quantas espécies serão afetadas pelo desmatamento já realizado, mas que ainda não foram extintas. É como se a gente “devesse” algumas espécies por causa do desmatamento. Isso acontece porque, ao devastar uma área, as espécies não deixam de existir imediatamente. Levam-se alguns anos para que o impacto seja sentido. O método mostra quantas espécies serão extintas, mas não quais delas.

Como os pesquisadores chegaram a esses números? Eles dividiram a Amazônia em localidades (quadrados de 50 x 50 quilômetros). Depois, pegaram dados de bancos já existentes, como a distribuição de aves, mamíferos e anfíbios que existem em cada região da Amazônia. No Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), analisaram dados de desmatamento dos últimos 30 anos. O que fizeram a partir daí foi estimar quantas espécies devem ser perdidas em função da proporção de desmatamento que já ocorreu em cada localidade.

Em que isso pode ajudar na preservação da Amazônia? Ele mostra quantas extinções ainda não aconteceram em cada localidade e o que acontecerá até 2050 diz que se nada for feito. Com este indicador, podemos tomar as medidas necessárias e evitar a extinção local das espécies. 
Como é possível reverter essa extinção? Podemos estabelecer unidades de conservação na região, fortalecer a fiscalização e aumentar a conectividade entre as áreas por meio de corredores ecológicos. Tudo isso vai aliviar a pressão do impacto sobre as espécies que habitam a região. A regeneração florestal tem a maior capacidade de reverter os danos do desmatamento. A floresta tem capacidade de, ela mesma, recuperar uma área degradada pela agricultura ou desmatamento. Não precisa de investimento: é só cercar a área e deixar que ela se recupere. Em 20 anos, em média – dependendo dessa conectividade entre a área preservada e a devastada – ela já recupera 50% da biodiversidade original. Em 40 anos, teremos de 70 a 80% dessa biodiversidade recuperada. É uma medida até mais econômica que fazer as unidades de conservação.

Por que chegamos a esse ponto? Os mapas do avanço do desmatamento mostram duas frentes. Primeiro houve devastação gradual ao redor dos centros urbanos, como Belém, Manaus, Rio Branco. Depois, após 1970, houve o avanço da agricultura. Criou-se a Transamazônica e as demais rodovias para ocupar aquele grande “oceano verde”. Mas também neste mesmo período, durante o governo militar, houve muito incentivo para a agricultura no cerrado – e lá já perdemos 90% desta vegetação para a soja ou o pasto. O Brasil precisa decidir: já que pagamos pela preservação da Amazônia com a devastação do cerrado, vamos pensar agora em agricultura mais eficiente e moderada ou vamos optar pelo caminho mais fácil, que é expandir a fronteira agrícola para a Amazônia? 
A devastação na Amazônia tem diminuído nos últimos anos. Isso deve se manter? O Brasil tem feito a lição de casa. Nos últimos dez anos, a taxa de desmatamento anual caiu de 30.000 quilômetros quadrados para 6.000 quilômetros quadrados. Isso aconteceu porque aumentou o monitoramento via satélite das queimadas e da devastação. Mas a medida mais efetiva foi cortar o crédito rural para o agricultor que fizesse desmatamento ilegal.

A extinção deve ocorrer mesmo com o desmatamento em baixa? Com certeza. As espécies entrarão em extinção nessas localidades se nada for feito. Não tem jeito de frear o débito de extinção. Ou tomamos uma medida para dar um calote nesse débito ou vamos perder espécies nessas localidades.

A construção de usinas como Belo Monte contribuem para essa extinção? Não existe medida científica para o efeito que essas construções causam, mas de fato são empreendimentos de grande impacto. Represar o rio bloqueia a migração de peixes durante anos. Uma barragem certamente vai impactar na sobrevivência das espécies da região. É o que ocorre quando se desloca unidades de preservação para construir barragens. Há cerca de dois meses, a Câmara alterou cerca de oito unidades de preservação para poder liberar área para alagamento. Como pensar na preservação desses locais se eles não são feitos para serem permanentes?
Existe uma estimativa de quantas espécies amazônicas já desapareceram recentemente? São poucas e pontuais, porque o desmatamento começou nos últimos 30 anos e, comparativamente, a região ainda é bastante preservada. Mas os cálculos dos pesquisadores britânicos mostram que, em Tocantins, por exemplo, três espécies de mamífero já foram perdidas. No Maranhão e em Rondônia, uma espécie em cada Estado.

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