segunda-feira, 25 de março de 2013

Zona do euro vai mal de saúde e depende da Alemanha

Atualizado: 14/03/2013 04:29 | Por estadao.com.br

Zona do euro vai mal de saúde e depende da Alemanha

Para ajudar a região, o governo alemão deve procurar aumentar sua demanda interna e apoiar uma união dos bancos



Artigo
"A crise do euro acabou. A crise na zona do euro é grave." Foi o que disse um político francês. O colapso incipiente no Chipre, que os líderes da zona do euro discutirão à noite, depois do jantar da cúpula da União Europeia em Bruxelas, talvez prove que ele errou por uma questão de dias. Entretanto, meu palpite é que provavelmente ele estará certo, pelo menos por um ano ou dois.
A Alemanha e o Banco Central Europeu fizeram o suficiente para convencer os mercados de que a zona do euro sobreviverá, por enquanto.
Mas muitas economias dessa área continuam em situação crítica. Algumas delas fizeram esforços heroicos, com resultados já visíveis. Na Espanha, por exemplo, os custos da mão de obra já baixaram e as exportações atingiram a maior alta dos últimos 30 anos. O sofrimento tem sido imenso, com 50% de desemprego entre os jovens, e os preços dos imóveis residenciais em queda de 30% a 40%. Mas, de algum modo, as pessoas conseguiram superá-lo. Isso também produziu efeitos políticos - literalmente, encorajou os catalães a se separarem do Estado espanhol - mas, no que diz respeito à política partidária convencional, o centro resistiu. Houve pouca retórica xenofóbica e os imigrantes praticamente não foram transformados em bode expiatório.
O que aconteceu na Espanha testemunha de maneira notável a capacidade de recuperação da política tradicional europeia, com seu compromisso quase instintivo à moderação, ligado a um desejo profundamente arraigado de continuar fazendo parte de um projeto europeu maior.
Mas por quanto tempo, meu Deus, por quanto tempo? Por quantos anos mais essas sociedades conseguirão suportar tais níveis de estresse socioeconômico, antes que sua política democrática chegue a extremos? Já vimos o risco com o sucesso eleitoral do partido ultranacionalista, xenofóbico e (o rótulo se justifica) neofascista Aurora Dourada, na Grécia. Muito diferente em gênero, mas maior em termos de impacto, é o impasse político italiano, decorrente da divisão dos votos entre o movimento de protesto do comediante de Beppe Grillo, Silvio Berlusconi e a esquerda, além de uma votação menor para o grupo "Monti para a Itália" de Mario Monti, e dos votos distribuídos de maneira diferente nas duas câmaras do Parlamento. Com o impasse entre as duas câmaras, a reforma encontra-se atualmente paralisada na terceira maior economia da Europa.
Em parte, isso era inevitável, mas se agravou em razão do erro humano em geral e do erro alemão em particular. Posso entender inteiramente a reação irritada dos eleitores alemães, no início, quando lhes foi pedido que salvassem outras economias europeias que se mostraram muito menos disciplinadas, menos dedicadas ao trabalho e produtivas do que eles, a fim de salvar uma moeda para cuja adoção os alemães nunca votaram. (Reduzindo seus custos da mão de obra, a Espanha está fazendo, num curso intensivo involuntário, aquilo que a Alemanha começou a fazer há uma década, por iniciativa própria). Eu próprio me sentiria dessa maneira. Posso entender a chanceler Angela Merkel e seus colegas mantendo-se firmes em sua opinião.
Mas fatos são coisas tenazes. Quando os fatos mudam, ou pelo menos ficam mais claros, as estratégias políticas precisam ser ajustadas de acordo. O dever dos políticos numa democracia liberal - que funcione corretamente - é reconhecer esses fatos e explicá-los para os eleitores, não para atrair os eleitores com promessas falsas. Eis um exemplo: os chamados "multiplicadores fiscais", ou seja, o impacto sobre o PIB (Produto Interno Bruto) de um corte (ou um aumento) dos gastos públicos.
Em períodos normais, quando muitos dos países com que você realiza negócios estão mostrando um bom desempenho, esse multiplicador por chegar a 0,2 ou 0,4 - isto é, o PIB declina entre 0,2% a 0,4% a cada 1% de corte da despesa pública. Mas quando praticamente todos estão em recessão, o efeito aumenta drasticamente. Esse foi o caso durante a Grande Depressão há 80 anos, como o historiador econômico de Oxford Kevin O' Rourke e seus colaboradores estabeleceram claramente. E é o caso novamente hoje, na nossa Grande Recessão, como economistas no FMI, União Europeia e outras instituições estão agora reconhecendo. Num período de ampla recessão, os multiplicadores fiscais podem subir acima de 1, de modo que um corte de 1% nos gastos públicos pode causar uma queda de 1,5% no PIB. O que altera de modo significativo o cálculo da austeridade.
Eis um outro fato, um pouco mais significativo, portanto mais contestável, mas determinante: o sofrimento provocado pelos ajustes é observado principalmente nos países periféricos do Sul da Europa e não no Norte europeu. Mas foram necessários os dois para criar esta confusão.
Devemos responsabilizar o tomador de empréstimo irresponsável do Sul, mas também o credor de vista curta no Norte - por exemplo, os bancos alemães. O que nos leva a uma outra afirmação, um pouco mais especulativa: a Alemanha tem mais a perder do que qualquer outro país no caso de um colapso da zona do euro. Segundo uma estimativa, a exposição dos bancos alemães aos devedores irlandeses, portugueses, espanhóis e gregos se eleva a 400 bilhões. O próprio conselho de assessores econômicos do governo alemão calculou que os prejuízos potenciais para os credores alemães na eventualidade de um colapso da zona do euro chegariam a 2,8 trilhões, superando o PIB anual da Alemanha, que é de 2,65 trilhões. Qualquer moeda que venha suceder o euro, seja o marco alemão ou um euro norte-europeu (Nordo ou Neuro), terá uma taxa cambial menos favorável para as exportações germânicas.
Não em razão de algum dogma keynesiano, tampouco por idealismo ou sentimentalismo com relação aos seus camaradas europeus, mas pelo seu próprio interesse nacional, a Alemanha precisa fazer mais. Deve aumentar sua demanda interna, apoiar uma união de bancos forte e adotar alguma medida como a proposta feita pelos seus próprios assessores econômicos, de uma mutualização limitada da dívida da zona do euro - com condições que sejam adequadamente severas. Em termos de política econômica de toda a zona do euro, ou mais precisamente, a adoção de medidas de natureza política que impulsionem a economia, o melhor momento para isso já passou. Foi o que chamamos de Momento Monti.
Como primeiro ministro, Mario Monti estava lutando bravamente para fazer a coisa certa na Itália, mas também insistindo para a Alemanha cumprir com sua parte. Os alemães não aproveitaram o momento, mas hoje eles têm mais uma chance. Aquele que for eleito o próximo chanceler nas eleições gerais em setembro, independente da coalizão, necessitará caminhar um pouco mais para salvar adequadamente a zona do euro.
As chamadas "eleições europeias" serão realizadas em junho de 2014, mas as eleições decisivas para a Europa serão as nacionais - e nenhuma delas é mais importante do que a da Alemanha.
Naturalmente é pura coincidência o fato de a Alemanha enfrentar esse desafio exatamente quando nos aproximamos do 100.º aniversário de 1914; mas é uma coincidência que revela também uma oportunidade histórica para uma liderança europeia construtiva por parte do poder central do continente. Vamos Alemanha. Agarre o que o historiador Fritz Stern chamou de sua "segunda chance" histórica e faça bom uso dela. / TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO E ANNA CAPOVILLA

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