Cultura VEJA
Biblioteca com mais de 50 mil livros sobre o Brasil abre ao público
Prevista para ser inaugurada no sábado (23), a Biblioteca Brasiliana
abriga a fantástica coleção particular do empresário José Mindlin
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Parte interna do novo edifício: construção de 6 500 metros quadrados na Cidade Universitária (Foto: Mario Rodrigues)
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Guita e Mindlin, numa foto de 1989: acervo formado na casa do Brooklin
(Foto: Bia Parreiras)
+ Bibliotecas estrangeiras: o exemplo que vem de fora
+ Confira algumas dedicatórias encontradas em livros de José Mindlin
Parte do tesouro, que era antes restrito à consulta de pesquisadores que visitavam sua residência da Zona Sul, será agora disponibilizada ao público. No sábado (23) acontecerá a festa de abertura da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, instalada na Cidade Universitária. O espaço começa com suas atividades normais já no dia 25. “A inauguração é de enorme importância para a cidade e torna mais direta a consulta desse acervo tão bem selecionado”, diz Samuel Titan Jr., professor da USP e coordenador executivo do Instituto Moreira Salles. O projeto ganhou vida graças a um desejo antigo de Mindlin, que não viveu para ver seu sonho realizado. Como grande incentivador da leitura, o filho de judeus russos resolveu doar, em 1999, sua inestimável coleção brasiliana, com livros, mapas e manuscritos ligados à cultura nacional. Foi firme ao recusar propostas de renomadas instituições estrangeiras que pretendiam adquiri-la, a exemplo das americanas Stanford e Ucla, pois queria que o espólio permanecesse no país. Escolheu a Universidade de São Paulo, onde, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, se formara na década de 30 e conhecera a então caloura Guita Kauffmann, com quem foi casado por quase setenta anos e teve quatro filhos: a antropóloga Betty, a artista gráfica Diana, o administrador de empresas Sérgio e a cantora Sonia. Eles herdaram o restante dos volumes, que não pertencem à coleção brasiliana. Trata-se de uma estimativa de pelo menos 20.000 exemplares — entre eles, a primeira edição de Os Lusíadas, de 1572 —, que serão doados, vendidos ou divididos de acordo com o interesse dos familiares.
A curadora Cristina Antunes: anjo da guarda da coleção
(Foto: Lucas Lima)
Pedro Puntoni, coordenador-geral da biblioteca: 4 000 títulos digitalizados
(Foto: Mario Rodrigues)
É ela quem coordenará a consulta das cópias mais frágeis e raras. Nesses casos, haverá uma triagem, com a análise da razão pela qual o interessado precisa dessa obra especificamente para seu estudo. Após receber sinal verde, o pesquisador poderá apreciar o livro desejado na presença de uma bibliotecária em uma sala especial, onde há câmeras em cima de cada uma das mesas. Para folheá-lo, não se pode ter nenhuma bebida, comida, caneta ou mochila por perto. No que se refere a outros tomos, será possível acessá-los a partir de iPads que chegarão no segundo semestre. Já foram digitalizados 4.000 títulos. O objetivo é que todos estejam em breve disponíveis no tablet. “Queremos que esse espaço seja um centro de estudos, e não apenas um museu, um depósito para a conservação da coleção”, afirma Pedro Puntoni, coordenador-geral da biblioteca. “Mindlin sempre almejou a democratização do acesso. Se as pessoas não estiverem lendo, nada disso fará sentido.”
O conhecimento do empresário levou-o a ser secretário estadual de Cultura, nos anos 70, e membro da Academia Brasileira de Letras. Além do olhar atento do bibliófilo e de seu carinho pelas páginas, outro fator importante na conservação dos livros, alguns da época do Descobrimento, foi o trabalho de Guita, falecida em 2006. Também leitora voraz, ela se transformou em uma referência em restauro de papel, inspirada pela paixão do marido, e fundou a Associação Brasileira de Encadernação e Restauro.
Os netos Rodrigo e Lucia com Eduardo
de Almeida: eles foram os arquitetos responsáveis pelo projeto e ela
lançará um livro com dedicatórias das obras do avô
(Foto: Mário Rodrigues)
Nos anos 40, Mindlin fundou uma livraria de publicações raras no centro de São Paulo, batizada de Parthenon. Visitou a Europa por três meses e trouxe de navio 3 000 exemplares. Toda vez que negociava algum deles, no entanto, dizia o seguinte ao comprador: “Se pensar em revender este livro, não deixe de falar comigo”. Depois de cinco anos, quando saiu da sociedade da loja, conseguiu recuperar quase tudo. Muitos amigos, escritores e intelectuais, recheavam sua coleção com presentes. Entre eles estavam Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e Rubens Borba de Moraes, que lhe deixou em testamento toda a sua biblioteca brasiliana particular, muito rica, cuja disposição espacial foi reproduzida fielmente na casa da família no Brooklin — e também na USP. A paixão pelos livros era tanta que Mindlin chegou a comemorar um aniversário de Trionfi, Sonetti e Canzoni, publicação de 1488 de Francesco Petrarca, um dos mais antigos do acervo. Houve bolo e parabéns.
Seu legado, construído durante a vida, ganha assim, finalmente, uma nova casa, à altura da importância da coleção e de seu formador. A neta Lucia Loeb mantém a memória do avô viva com o lançamento, previsto para o fim do mês, de um livro, batizado de Para a Tão Falada Biblioteca José e Guita Mindlin, recheado de 125 dedicatórias encontradas nas páginas do acervo. “Quis homenageá-lo”, diz. Seu irmão, Rodrigo, cuidou do projeto arquitetônico do edifício junto de Eduardo de Almeida, arquiteto e amigo de longa data do avô. Ambos aceitaram a tarefa a pedido do próprio Mindlin. O bibliófilo não pôde, contudo, apreciar o resultado de seus esforços. Segundo Rodrigo, talvez tenha sido melhor assim. “Acho que ele já sabia que não iria ver o local pronto”, acredita. “Nunca conseguiria ficar com a casa vazia, longe dos livros que tanto amava.”
A nova atração do câmpus
Alguns dos números e características do projeto
■ A estrutura de 20 950 metrosquadrados contará com a Biblioteca Guita e José Mindlin, o Instituto de Estudos Brasileiros, o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP e uma biblioteca central de obras raras e especiais da universidade
■ Sua construção levou seis anose custou 127 milhões de reais, captados via Lei Rouanet, por meio de doações e por investimento da reitoria
■ Em cinco pavimentos, a Biblioteca Mindlin, de 6 500 metros quadrados, abrigará 39 000 títulos e 55 000 volumes
■ A coleção é avaliada em100 milhões de reais
■ Conta com dispositivo de acesso por biometria e sistema de câmeras e sensores. Dispõe ainda de controle de temperatura e iluminação pensados para preservar os livros, além de base contra cupins